O Aranha - Capítulo 17
A espada reluziu em mais de três soldados diferentes, os deixando mortos no chão. A Área de Extração era a parte mais baixa de Pyar, e de acordo com Pauk, alguém estava tentando invadir.
Sozinho por toda a sala de comando, ele apertou o comunicador.
– Aqui é Caurés – disse pelo comunicador para as naves do lado de fora. – Estou abrindo as comportas da zona de pouso. Parem de atirar.
As naves não responderam imediatamente.
– Parem de atirar, porra – Caurés gritou. – Se estão aqui para invadir, esperem por dois segundos. Merda.
Os portões inferiores se abriram enquanto uma camada azulada emendou ao redor. Caurés fitava uma frota inteira se esgueirar para dentro. Saiu da sala de controle, desceu as escadas. As portas das naves se abriram, e de dentro homens e mulheres com armas eletromagnéticas em mãos, mirando.
Um dos homens se apresentava na frente. Ele usava um longo sobretudo negro de couro e segurava uma pistola em mãos. Era o líder.
– Hello – Caurés franziu a testa.
O homem abriu um dos olhos, assustado.
– Como sabe meu nome?
– Não importa. Está aqui pelo seu irmão, Kamud, certo? – Caurés suspendeu a espada na parede ao lado, apertando o Linkod que roubou de um dos guardas, em seu pulso. – Informem a Kamud para chegar a Zona de Extração, agora. Diga que o presente de viagem dele está esperando.
Tanto Hello quanto seus homens não entenderam nada. O homem era um prisioneiro e estava falando abertamente nos canais do satélite. Havia um motim, mas ele estava ali para auxiliar um escravista.
– Nos conhecemos? – Hello questionou, ainda mais confuso. – Por que está fazendo isso?
– Eu gosto de fazer amigos – Caurés devolveu com um sorriso. O rádio voltou a ruir: — Quem está me esperando, Caures?
– Um aliado. Onde você está, Kamud?
A imagem surgiu. Kamud estava agarrado atrás de uma parede com sangue na face, não era o seu próprio. Assustado, ele arfava.
– Meus homens ficaram agarrados em um dos corredores para o controle central do satélite. Todos os que estavam na Zona Cega subiram, disseram que iam atrás de um homem de alto escalão, mas eles acionaram todos os Generais e droides de combate. – Uma explosão envolveu o fundo, ele se abaixou momentaneamente. – Não temos como voltar pelo mesmo caminho. Anton e os outros conseguiram subir pelas escadas, mas elas foram destruídas antes de eu alcançar elas.
Hello se aproximou, abaixando a arma. Era a primeira vez em anos desde que vira seu irmão. Ele estava mais velho, mais robusto e mais… sábio? Algo em Kamud era semelhante aos traços de seu pai, mas Hello guardou para si.
– Eles estão lutando feito loucos – Kamud comentou mais baixo. – Não tenho como chegar até ai sozinho.
– Você não está sozinho, irmão – Hello disse diante Caurés. – Estamos aqui por você.
A face assustada de Kamud se dissipou, com um semblante mais calmo.
– Hello? É você? Não. Você não pode vir. Eles são muito mais fortes do que nós. – Kamud ergueu a mão, a cobra estava desenhada na palma. – Recue por ora, eu vou dar um jeito de sair daqui sem que veem.
A ligação foi cortada. Caurés tentou acessar os outros canais, mas nenhum deles funcionava.
– Os prisioneiros devem ter conseguido chegar até o controle principal dos andares inferiores. Se eles estão lá, Kamud deve estar entre a Zona Dois e Três. – Ele pegou a espada e quebrou sua lâmina na metade. – Meu objetivo era vir até aqui e abrir o portão para vocês. Agora, irei voltar e pegar seu irmão. Preparem as naves.
– Por que? – Hello quase engasgava naquele cativante homem. – Por que está fazendo isso por ele?
Caurés girou o Linkod para baixo, acessando as configurações adicionais.
– Eu estou fazendo isso por mim. Irei precisar de vocês algum dia, eu sinto. – Ele encarou Hello – Preciso de uma arma de calibre baixo.
Hello acenou com a mão e um dos seus passou uma pistola para o outro. Caurés inspecionou já dando de costas.
– Deixem a nave pronta para partir, caso eu precise de ajuda, falarei com vocês pelo canal aberto.
Hello era um dos maiores escravistas da Orla Sombria, e trabalhava nas sombras desde que Caurés se conhecia como gente. O próprio Leviatã dizia que se um dia estivesse diante o homem, deveria ser cortês.
Controle e influência eram parte da vida na galáxia. Os grupos mercenários, além das grandes corporações deveriam crescer na luz, seus planos, porém, eram criados nas próprias sombras. A história dos Reis da Orla Sombria não era exclusiva para os escravistas. Qualquer um que quisesse viajar pelo espaço deveria conhecê-los. Ou poderiam ser ajudados, ou capturados. Os dois extremos.
Se Kamud fosse a sua porta para Caurés retornar vivo, então, ele faria algum esforço para recuperá-lo. Pauk estava nos andares superiores, ele iria atrás de Simon. Sem poder se encontrar com ele, Caurés deveria fugir junto de Helena, mas a mulher iria atrás de Jasmyne que também estava nos níveis superiores.
Pauk não pensava direito. Deixou as lacunas espalhadas, e era impossível fugir com todos os presentes. Era quase um suicídio.
Se aproximando dos corredores perto da Sala de Controles, os corpos dos guardas e dos prisioneiros começaram a se amontoar dos dois lados. Alguns ainda estavam vivos, mas Caurés passou sem dar importância. O objetivo estava um pouco adiante.
Quando a porta se arrastou para o lado, Caurés deu de cara com um imenso homem. Ele usava o traje esverdeado com uma insígnia dourada no peito. Os dois fitaram um ao outro por segundos.
Era um general. Ele usava uma imensa lança de lâmina avermelhada. Era imbuída com pedras ígneas. Queimaria até mesmo o ferro de armaduras. Caurés recuou duas vezes e apontou a arma.
O disparo agarrou no peito, rasgando a roupa, mas não ultrapassando a carne. Oitavo arfou, era um protetor de torso blindado a carbono. Só seria rasgado por algo mais resistente que ela.
Disparou mais duas vezes, tentando a cabeça. O general conseguia desviar com facilidade. Ele era treinado para que não fosse acertado na face. A situação só complicava. Recuando para mais dentro do corredor, Caurés era encurralado pelos ataques das lanças, até que ao defender um dos golpes com a espada quebrada, não previu o punho curvado.
O braço do general pareceu ganhar o dobro do peso quando o acertou, esmagando a parede, a dobrando para dentro. Seu braço parecia quase rachar. Ele ainda não estava recuperado dos banho marias.
O general puxou a lança para trás e atacou. Ele ergueu a sobrancelha, o prisioneiro segurava a ponta de sua arma com ambas as mãos… nuas.
– Impossível.
Caurés usou a surpresa para jogar a arma para trás, e desequilibrar o general. Defender custou suas duas mãos. Estavam dormentes por completo. Ele não as sentia.
Salto em um giro duplo e usou os pés livres para acertar os dois braços erguidos, usados para defender a cabeça. O general ainda estava aturdido, e recuou pouco a pouco. Caurés girou no próprio eixo e chutou o peito dele, o lançando um pouco mais para trás.
Sem um traje de batalha, era difícil se igualar as raças superiores, e aquele general era forte demais para ser um humano comum. Ele era um impuro. Caurés não tinha opção se não conseguir chegar ao corredor para correr.
Usou outro impulso. Disputou golpes poderosos contra o general, mas estava falhando em conseguir a vantagem. Quando conseguiu colocar o imenso homem na porta, a lança avançou mais uma vez. Caurés a interceptou com a lateral da mão, abrindo a defesa dele pela primeira vez.
Era o suficiente. A dormência ainda o deixava imune a dor muscular. Era necessário para fugir. Mesmo calmo, aquela manobra custaria um membro. Ele fechou o punho e deixou a adrenalina percorrer as veias de todo o braço, se acumulando nos dedos.
Logo, o general viu sua falha. O soco que se arrastou ganhou um estranho formato, então, sumiu. O soco surgiu diante seu nariz, inesperadamente.
Caurés gritou no contanto. Os ossos de sua mão estalaram como vidros caídos. Seus dedos estavam tortos, cada um para um lado. O sangue que não fluía do membro foi coagulado ao redor, deixando sua pele roxa.
Do outro lado, caído, estava o general. Sua face foi desfigurada. Bolhas de sangue e carne podre se espalharam ao redor de seus olhos, os ocultando, e sua boca inchou como uma bola. O sangue escorria do pescoço e das orelhas.
Segurando o próprio braço inútil, Caurés se aproximou. A lança ígnea era forte, ele poderia usar, mas com um braço só seria impossível. Ele abaixou, jogou o general e tentou tirar o suporte da arma. Estava agarrada.
Praguejou. Era sua melhor chance de obter uma arma rara da Orla Sombria. Se contentou com a pistola eletromagnética dada por Hello. Mancando, seguiu seu caminho para onde Kamud se escondia.
*
– Durante toda a minha estadia aqui em Pyar, eu procurava por uma única pista – Simon estava sentado em uma cadeira de madeira em frente a Jasmyne. Os dois sabiam do motim e dos prisioneiros que estavam se aproximando. Ainda assim, ele permanecia sereno, o que era incomum para Segunda. – Leviatã era a pessoa quem eu procurei. Eu fiz dele minha ambição. Quando um homem conhece a dor, ela se torna parte dele. Eu quis acreditar que você poderia me ajudar, me ajudar a encontrar o homem que matou todos aqueles que amo. Diga-me – a porta atrás dele foi arrombada – diga-me que minha vida não foi a toa.
Uma arma foi apontada para sua cabeça, mas ele nem sequer se mexeu.
– Diga-me, Helena – Simon fechou os olhos – diga que eu estava certo.
Sua cabeça explodiu. Ele caiu para frente, morto.
Jasmyne erguera a cabeça, os olhos suplicantes e contentes, não conseguindo arrumar as emoções do momento. Helena, segurando uma pistola, ainda no seu traje alaranjado.
– Desculpa a demora, irmã. – Helena atirou nas correntes e abriu as algemas do pescoço com as mãos. Segurou Jasmyne e olhou para trás, para a trilha de corpos deixadas para trás. – Temos que ir logo. Pauk disse que Caurés nos encontraria nas naves auxiliares.
– Pauk está aqui? – Jasmyne ficou tão chocada quanto Helena quando soube. – Como?
– Eu ainda tenho minhas próprias dúvidas. Vamos sair daqui agora. Os Generais foram acionados nos níveis inferiores. Devem subir a qualquer momento.
Jasmyne foi sendo guiada até a porta. Helena matara muitos guardas, incluindo Skulo, que teve os dois olhos arrancados. Por um segundo, a tortura das semanas sumiu sendo coberta pelos braços acolhedores de sua irmã.
Por dentro, estava feliz. Helena estava ao seu lado.
*
O Núcleo de Zeus, Pauk estava um passo de pegá-lo. A caixa que continha a reserva de suprimentos de toda uma raça celestial antiga. Era suficiente. Sua mão tocou a caixa fria e ela brilhou.
Seus olhos amarelados brilharam mais e um sensor redondo surgiu em sua visão. As paredes ficaram mais finais, ele sentia as partículas do ar com mais facilidade além de seu corpo metálico se endurecer ainda mais.
Nada estava longe do seu alcance. Ele respirou pesadamente, a poeira brilhante que emanava da caixa entrou pelas suas narinas, e seu peito brilhou. Arrancou a camisa com a mão. O núcleo de seu peito girou, e as engrenagens interiores tornaram a girar cada vez mais rápido. Quando a poeira esgotou, Pauk descolou a mão da caixa.
Seu maior objetivo era a poeira celestial. O armazém cheio era o local onde os equipamentos eram todos guardados. Ele selecionou alguns e usou um descustomizador, diminuindo seu tamanho de uma bolinha de gude, guardando em seu bolso.
Ao sair da sala, um dos homens entrou em contato pelo comunicador.
– Chegamos. Simon está morto.
Pauk não respondeu. Tirou o comunicador da orelha e acessou o Linkod. O mapa que adquiriu de um dos Generais dizia que as naves auxiliares estariam todas na Zona Leste do Satélite. Então, seguiu para a ala Oeste, o Hangar das naves principais estaria vazio.
Ele caminhava lentamente pelos corredores. Pegou o elevador, desceu até o andar trinta. Não demorou para achar o pátio principal, as naves estavam todas estacionadas uma ao lado das outras. Geralmente, era ali que os Generais estariam rondando, não deixando ninguém se aproximar, mas, agora, vazio.
Pauk escolheu a mais próxima. Não faria diferença nenhuma pegar a mais veloz ou a maior. Nenhuma delas seria seguida de qualquer maneira. Ele se certificou disso.
O alarme de seu Linkod soou. O número zero apareceu na tela.
Sorriu ao entrar na nave.
– Isso deve dar aos Republicanos um pouco de trabalho.
Um imenso tremor balançou todo o satélite. Pauk já estava com sua nave flutuando quando o o aviso de emergência soou por todo satélite:
– Setor de Refinamento de Energia: Instável. Todos os passageiros se movam para as naves auxiliares. Nível de radiação alta. Explosão remota em… dois minutos.
A nave estava no espaço, gravitando para fora do Círculo Maior quando ele girou seu bico, visualizando a energia de um dos hangares aumentando, criando uma vermelhidão no casco exterior.
Se o casco rompesse, seria necessário três a quatro segundos para que o ar fosse lançado para fora. Era o tempo que todos os prisioneiros tinham. Apenas dois minutos.
Usando o Linkod para espelhar as imagens da câmera de segurança, Pauk assistia a fuga desesperada de milhares de prisioneiros. E mudou seu foco para Caures, em específico. Queria saber até onde a inteligência do rapaz iria.
Algo naquele humano fazia Pauk entrar na defensiva. Queria um último resquício desse sentimento estranho antes de nunca mais vê-lo.
E lá estava ele, correndo… com um braço quebrado e um homem o seguindo. Pauk reconheceu o velho; Kamud, o antigo Rei da Orla Sombria. A chance que Pauk deu a Caurés era que ele roubasse uma das naves dos escravistas, assim poderia fugir sem problemas.
Testar o limite de um homem era a forma mais fácil de ver seu potencial. Caurés encontrou alguns guardas no caminho de volta, atirou com frieza e firmeza mesmo sem um braço. Entretanto, eles não estavam sozinhos. Vindo de um corredor estreito, onde os dois não viam, um General com a cabeça toda deformada.
– Isso vai ser bom – Pauk inclinou a cadeira confortável da nave para assistir tudo de camarote.
*
A sirena estava tocando. Faltava um minuto e meio para tudo explodir. Estavam quase na Zona de Extração. Kamud estava logo atrás dele. Caurés conseguiria chegar lá a tempo. Eles correram para dentro de um labirinto, pararam.
– Lá – Caurés arfou, aliviado. – Vamos.
Ele deu um passo, saindo da cobertura da parede. Uma imensa massa o arrancou do lugar e o levou contra a parede. As costas arderam com o impacto. Ele gritou de dor, algo penetrou sua costela e era quente.
– Eu ainda estou vivo.
Era o general que Caurés derrotou antes de encontrar Kamud, e ele segurava a lança ígnea. Ele torceu a lâmina e Caurés gritou ainda mais.
– Vai, Kamud – gritou. – Eles estão do outro lado.
O general olhou para trás. As bolhas de sangue e pus eram aterrorizantes. Kamud correu e passou pela porta. Caurés foi largado na parede. O homem se virou para ir atrás do velho. A arma na mão de Kaures estava apontada, e ele disparou.
Como esperado, a panturrilha do general foi acertada. Ele caiu em uma das pernas. Virou-se furioso.
– Por que você não morre?
Caurés segurava a marca da lâmina na costela. Ao se pôr de pé, suas pernas quase cederam, mas ele se manteve de pé.
– Eles são… – arfava, o sangue acumulando na boca –… parte do…
A lança do general foi erguida. O braço puxado para trás.
Caurés tinha uma chance. O momento do lançamento, quando o reflexo do seu inimigo estaria menos atento. Ali, a chance de vitória era máxima. No entanto, o general virou a mão na direção do outro corredor.
O instinto do Oitavo surtou. Sua arma disparou.
O ombro explodiu em sangue. A lança curvou muito para o lado. Ela agarrou no casco de uma das naves, mas o seu poder de ignição não estava ativado. O general arregalou os olhos em fúria para Caurés , com um braço e uma perna arrebentados, os dois estavam em desvantagem.
– Vamos morrer os dois aqui – o general disse, inusitadamente. – Vamos sair e nos matar em uma próxima vez. Me chamo Plink Livia.
Caurés gravou o nome em sua mente. O general saiu correndo na outra direção, ainda restava trinta segundos. Eles tinham uma chance para escapar. Os sentidos de Caurés estavam se apagando. Tinha perdido muito sangue. Não sabia onde mais estava, tinha caminhado por algum tempo.
Um segundo ou já tinha morrido? Ele continuou em frente. O túnel escuro ao seu redor não se iluminava pelo fogo das explosões. A escuridão onde se encontrava era igual ao do espaço, com pontos leves no final. Ele cedeu, as pernas não aguentavam mais. Tateou o corpo, onde a lança havia penetrado sua costela.
Um buraco vazio. Estava quente.
Uma mão o puxou para trás. Caurés caiu deitado, vendo a face de Helena acima da sua. Não a ouvia, mas o desespero era evidente. Depois Kamud e Hello, os dois do outro lado, tomando frente e falando algo que Caurés não ouvia.
Todos os sons pareciam inexistir. E Jasmyne, ela estava mais afastada, mas seu cheiro de ameixas, um cheiro estranho para uma prisioneira, era puxado. Tossiu ao tentar respirar fundo, e Helena se desesperou ainda mais.
Não. Não faça isso.
Os olhos deles se acinzentaram. Adormeceu.