Shihais: Remanescentes da Aura - Capítulo 0
[ 19 de abril de 1922, Toryu, Asahi. ]
No crepúsculo de uma tarde nublada, Akemi Aburaya, um jovem de cabelos e olhos castanhos, está a bordo de um bonde elétrico, segurando uma grande caixa de ferramentas que acabara de retirar do depósito municipal.
Como estagiário, sua última tarefa do dia é entregá-la ao seu avô, Isao Aburaya, que o espera na usina hidrelétrica da região.
Janelas embaçadas do bonde revelam as ruas de um humilde bairro de Toryu, a capital de Asahi.
Com a cabeça apoiada na caixa de papelão, Akemi contempla as antigas casas de madeira e mercados ainda abertos; cartazes nas paredes destacam atividades militares em prol da nação.
Caramba… qual deve ser a sensação de ser um áurico? Ou até mesmo um shihai?! Imagina ser como aqueles heróis fardados com poderes incríveis dos livros e artigos! Mas… por que eu tinha que nascer sem uma aura? Por que eu tinha que ser trivial?
Pelas calçadas estreitas, é possível ver duas crianças de aproximadamente seis anos correndo alegremente; vestidas em kimonos vibrantes, elas brincam com seus dons elementais, completamente alheias ao universo vazio do rapaz no bonde.
Sob o céu nublado prestes a despejar sua chuva, o sorriso doce de uma menininha ruiva é iluminado por chamas que saltam de seus dedos; ao seu lado, um menininho de cabelos escuros conjura pequenos cubos de gelo com as mãos.
As expressões radiantes dessas crianças transbordam alegria simultaneamente ao uso de seus dons…
Quando os seres humanos se aproximam dos cinco anos de idade, há a possibilidade de despertarem poderes especiais, capacitando-os a manipular os elementos clássicos e seus derivados.
Esse poder é reconhecido como “aura” e aqueles que possuem tal talento são denominados “áuricos”, enquanto os desprovidos dessa capacidade são chamados de “triviais”.
Já os áuricos cujas habilidades foram aprimoradas em um alto nível militar são intitulados como “shihais”…
Além de não ter poderes, tive uma infância de merda… Mesmo que faça bastante tempo, lembro do tanto que me isolei nas escolas para triviais. Esse meu nome de menina também não me ajudava… Por que o vovô tinha que me dar um nome tão incomum? Por que minha vida é tão confusa e triste? Por que não ter uma aura tinha que me abalar tanto?
— Por que eu… — murmura Akemi para si mesmo, um sussurro quase inaudível entre o barulho do bonde se locomovendo — por que eu tinha que nascer nessas situações?
Uma pequena lágrima escapa de seu rosto franzido por conta da tristeza; ele sente a falta de aura como uma pedra pesada e fria em seu estômago.
Ainda por cima, morar na capital sendo trivial pode ser desvantajoso, mesmo com apenas 30% da população de Asahi composta por áuricos, todos sabem das dificuldades de competir com eles.
Quando as crianças saem de vista, Akemi vê a realidade de sua solidão e a falta de uma aura parecerem ainda mais dolorosas agora, contrastadas tão cruelmente com a alegria e liberdade observadas através da janela.
Porém, repentinamente, um sentimento de determinação vem à tona.
Ah, esquece isso!
Ao segurar a caixa de ferramentas com mais firmeza e respirar fundo, o rapaz ergue a cabeça e seca suas curtas lágrimas, na tentativa de se motivar.
Prometo seguir em frente! Mesmo não sendo áurico, tenho um propósito. Posso ser militar trivial, usar armas de fogo, lutar com meu próprio corpo! Eu… eu só quero saber qual é a sensação de conseguir proteger alguém.
Apesar de não ter a vida que quer, Akemi sabe que existem muitos desafios a serem vencidos, e talvez, de alguma forma, ele possa encontrar seu próprio lugar no mundo — um mundo que, embora repleto de paisagens, seres e eventos desconhecidos, ainda tem espaço para alguém com um coração cheio de sonhos não realizados.
Ainda assim, a gana por compreender a sensação de despertar algum poder especial domina o jovem Aburaya, que sonha em um dia testemunhar com os próprios olhos algum shihai em ação.
Porém, tudo se mostra distante e inalcançável, já que sua solitária rotina dedicada aos estudos, ao trabalho, e à imaginação de uma vida épica, parece interminável…