Passos Arcanos - Capítulo 268
As construções dos Baker em Keifor eram grandiosas por fama e número. Desde que se instalaram, a qualidade da infraestrutura se moldou de forma que agregou aos moradores, trabalhadores, aos mais antigos, além dos sistema de urbanização que concluíram de um estágio importante dentro das camadas sociais do Império.
Keifor, nos dias atuais, era a cidade mais bem estruturada em habitações e sistema de profissão. O porto melhorado, os próprios navios tiravam suas plantas trocadas e implementadas para conseguirem navegar em águas mais distantes sem serem derrotadas pelas tempestades que moravam sobre o oceano.
A história de que um homem, acordado com Artrax e Jinx, dos Velhos Reis, chegou aos Baker nas trincheiras bem rápido. O ataque de VilaVelha causou um tumulto enorme, mas os mais beneficiados, independente do final, foram os Baker.
Frigor Baker, sentava-se na carruagem com mais seis dos seus antigos companheiros. Na época, tirados de casa por uma lei que a própria ordem emitiu. Voltavam para o lugar chamado de casa, mas o clima não era o calor que a Caldeira de Ilhotas retinha.
O frio do norte era quem os assolava.
— Por um lado é bom. — Six Baker era o sexto filho de seu pai, tendo mais cinco espalhados pelas carruagens. Tinha seus óculos sobre o nariz, mas um jeito preguiçoso de falar. — Voltar para casa é sempre divertido. Seremos recebidos com os olhares dos Anciãos falando que não fizemos mais do que nossas obrigações. Aqueles que lutaram na guerra vão ficar desapontados que não pudemos fazer nada. E voltaremos aos dias de tédio.
— Sempre fala muito – respondeu Grow Baker. Era um gordo, rapaz de vinte e nove anos, com uma espada em cada lado da cintura. — Alguém me tirou daquele lixo de Forte. Ficar uns dias sem fazer nada é melhor do que ficar sem fazer nada lá.
— Tem certeza? — Six olhou para cima. Neve começava a cair um pouco mais forte. — Se essa vida que temos que seguir, eu não agradeceria ao tal líder que conseguiu nos tirar de lá. Pelo menos em Archaboom eu tinha direito a ir em um puteiro a cada seis dias. Gastava meu salário de Cavaleiro por lá.
— E qual o nome do atual Mestre? — Joana Baker perguntou. Frigor não tinha muito assunto quando o caso era voltar para casa. Desde que tomaram a estrada, pouco falava e pouco respondia. — Se for um daqueles velhos, a gente tem como ir embora para um lugar mais afastado e voltar a montar nossa base.
Ah, Frigor se lembrava bem de quando aqueles seis fugiam das aulas de Mestre Cassiano para dentro da Floresta e encontravam os filhos dos nobres da casa Robert tentando aprender a usar uma espada. Os coitados eram açoitados sempre, voltando chorando com o rabo entre as pernas.
Dentro da própria floresta que dividia as famílias, gangues se formavam entre os delinquentes. Eles se enfrentavam por pedaços de terras que nunca foram de ninguém, e por algum tempo, mais do que os outros, aqueles seis sentados ali fizeram sua própria história entre as gangues.
— Vai ser difícil – Frigor respondeu a todos. — Eu soube que o atual Mestre conhece o nome de cada um dos Baker. E o Mestre Cassiano também vai estar lá.
— Só deixar eles de lado. Não tem como um homem saber tudo isso. — Joana pendeu os ombros e esticou o braço por cima da beirada, olhando ao redor. — Quando a poeira abaixar, nós vazamos.
Os outros quatro simplesmente concordaram sem dizer muita coisa. Esse era o plano inicial do grupo. Frigor não queria ter concordado de imediato, mas quanto mais tempo ficassem fora dos olhares dos Anciãos, melhor.
Ainda assim, teria que prestar certa reverência ao Mestre Abake. Tinha suas dívidas com aquele homem.
— Todos os outros também vieram – Joana olhava para as carroças nas suas costas. O cocheiro era também um Baker, e mais seis sentavam atrás dele. A fila era longa. — Vai ser um saco encontrar lugar para morar numa cidade tão pequena.
— Vai ter superlotação – disse Grow puxando o casaco e se cobrindo mais. — Por isso eu falei que a gente tinha que ser os primeiros a chegar. Podemos pegar as melhores casas.
— Nem conta com receber salários todos os meses, hein. — Six deu uma risada. — A gente vai ter que caçar sozinho.
Tantos problemas com o retorno dos Baker. Frigor também havia pensado nisso. Seus amigos não ficariam contentes em ouvi-lo depois de ter fracassado na última missão nas trincheiras. Ele guardou para si e fez o possível para se manter por perto.
O pensamento de que eles seriam arrastados por uma superlotação de terreno também o deixava desconfortável. Nas trincheiras, pelo menos, lutavam para esquecer da fome. E se morressem, quem fosse da forma mais inusitada.
Perderam alguns Baker que gargalharam ao verem a morte. Mortes louvadas por eles.
— Viver dentro de muralhas nunca foi um sonho – disse em voz alta. — Se a gente tivesse ficado, uma hora a gente ia pro saco também. Entre morrer de frio ou ser golpeado pelo Clero, morrer de frio é mais entediante.
Não esperava resposta de ninguém. No entanto, ouviu uma risada de Six.
— Isso ai eu acho certo. Morrer de frio é chato pra cacete. A gente devia fazer o nosso próprio caminho. Tomar um batalhão, nos arrastar para onde o conflito está, sermos reconhecidos e voltar para tomar a cidade pra gente.
Frigor o encarou de relance. A ideia não podia ser tão ruim, quem iria aceitar isso era maluco. E Grow, Joana e os outros quase que assentiram. Frigor balançou a cabeça e puxou o casaco mais para o ombro, tentando se aquecer.
— Tomar controle de uma cidade não é fácil como se parece. A moral de um líder é baseada no conflito interno entre os Anciãos. No social entre os moradores e nos apoiadores, como empresas, fábricas e subordinados secundários.
— E o que seriam subordinados secundários? — perguntou Joana. — Algum tipo de mercenário?
— Pode ser muita coisa. Escolas Mágicas, Academias, Torres Mágicas, Escolas de Forma Combatente. A quantidade de Cavaleiros, Magos e Escolásticos formados. E famílias secundárias, se tiver alguma.
Grow pareceu mais rir da sua resposta do que o contexto em si.
— A gente saiu da Caldeira de Ilhotas com aqueles velhos se matando para ver quem ia comandar o terreno de plantio. Isso só pra terem mais do que comer que os outros. O egoísmo deles não vale a pena pra gente.
Six concordou e inclinou-se, sério.
— A cidade não deve ter nem metade do que tínhamos lá nas Caldeiras. Essa muralha nunca pertenceu a gente. Se formos rápidos, hoje mesmo conseguiremos tomar o controle pra gente.
Joana olhava para cima, vagueando nos pássaros.
— Eu aposto que todo mundo que está vindo pra cá pensa o mesmo – continuou Six. — A gente só precisa de uma oportunidade de derrubar todas as peças que esse tal líder tem. Qual o apoio dele? Mestre Cassiano? O velho nem mesmo saca mais a espada, quem dirá lutar contra a gente. Somos praticamente dois mil Baker contra um homem.
— Os Anciãos brigando vão querer escolher um lado. — Parecia que a ideia se propagava com mais afinco. Grow pensava também olhando para longe. — Comandar não é uma tarefa fácil, ainda mais para um lugar pequeno igual a essa Keifor. E que nome ridículo.
— Keifor é o nome de um dos antepassados do Ancião Dest. — Frigor tinha gostado desse nome. — Foi um dos líderes mais respeitados. Trouxe paz para a família quando o caos se rebelava pelo continente inteiro.
Grow só bufou, desdenhando.
— O nome de um velho numa cidade velha. Que grande merda.
Passaram mais meia hora antes de chegarem na estrada pavimentada. Dali, o chão era liso igual papel e os blocos de pedra que montavam a estrutura da imensa ponte era alinhada. Frigor olhou para a montanha, os materiais eram parecidos. E vendo a dimensão que ela se espalhava, tinha mais de trinta metros de altura.
O portão que os aguardava em aberto era de madeira, e mais de setenta pessoas usando um vermelho pareciam esperar. Frigor não lembrava das roupas dos Baker serem dessa cor, e os outros também repararam.
— É algum tipo de seita? — Grow ficou inquieto. — Já vi Feiticeiros usando essas coisas.
A carruagem chegou a parar uma hora. Os seis olharam para o colcheiro e os dois cavalos, mas o homem não conseguia ir adiante. Outras carruagens chegaram ao lado, conduzidas exatamente no mesmo ponto.
Outros Baker ficaram alertas. Mãos nas espada, instintos afiados e prontos para se defender. Na verdade, ninguém reconhecia o nome Orion Baker. Se era um Ancião, se era um Cavaleiro. Eles simplesmente não conheciam. Frigor era igual.
No entanto, era um nome que lembrava da figura que os jogou naquela lama.
— Pelos três anos e meio nas trincheiras – uma voz arrastou até eles, calma e profunda. — Pelo sacrifício de colocarem suas vidas em risco. Por nunca terem desistido no meio do caminho. Por serem a personificação do que um verdadeiro Cão Imortal era. Suas honrarias nos campo de batalha serão pagas em ouro, em uma edificação nova, em um direito de ser quem devem ser. Há três anos fomos escolhidos para uma guerra que já não era mais nossa. Jogados dentro de lugares prestes a explodir, feitos de bucha de canhão. Assim como vocês, eu estive lutando do lado de fora por muito tempo até achar um jeito de nos trazer até aqui. Keifor é o lugar onde os Baker moram, protegem, se fortificam, se tornam quem eles devem ser. Estamos longe da Ordem dos Magos, do Clero, mas dentro da nossa própria luta, de sobrevivermos a todo custo. Nossa batalha está longe de terminar, mas somos aqueles que carregam o desejo de nossos pais e avós. Uma geração inteira tentando ser melhor. Há vinte anos, um rapaz nos jogou nessa dívida, uma dívida que eu tenho com vocês. Omar Baker nos findou em uma areia movediça complexa demais para sair, no entanto, nunca fomos de desistir. Havia dias que eu quis deixar tudo de lado, mas recuperar um pouco da honra era minha sina. Por isso, estou aqui para agradecer e me desculpar.
Um portal se abriu. De dentro dele, um jovem se apresentou com um casaco vermelho de bordados dourados nos braços. Ele parou cerca de três metros e mais pessoas saíram. O portal começou a se mover para trás, na direção da cidade, trazendo rostos bem conhecidos. Anciãos Dest, Ringo, Abake, Serin, Angs e Largus. Alguns Escolásticos, Cavaleiros renomados. E uma fileira de homens e mulheres que viveram nas Caldeiras anos atrás.
— Eles trouxeram todos para cá? — Joana ficou chocada. — Minha mãe também veio?
Ela saiu da carroça e ergueu a cabeça. Joana vinha de uma família simples, de fazendeiros. Ela nunca gostou dos Anciãos ou da corte ‘real’ justamente porque nunca receberam nada além de insultos por não estarem fazendo o suficiente.
A mulher se desdobrou de uma das fileiras. Tinha roupas idênticas ao primeiro homem, no qual Frigor tinha certeza ser o Jovem Mestre Orion Baker. Joana ficou estática quando viu sua mãe ir até aquele homem e abaixar a cabeça. Logo depois, ela o abraçou com força.
Joana ficou estática. Nunca, desde que conheceu a família deles, Frigor viu a mãe, o pai ou Joana serem cordiais com alguns dos nobres. Nem mesmo em momentos de crise.
Entretanto, a mãe dela veio correndo para abraçá-la. Joana esperou até o último momento para fazer um movimento e ir adiante. Elas se abraçaram com força. Frigor viu o pai dela também se aproximar, mais calmo, e se juntar ao reencontro.
Todos nas fileiras assistiam. Frigor ficou emocionado.
— Existe algo mais forte do que o caos que reina fora dessas muralhas – a voz de Orion Baker voltou a ressoar. — É o laço que une nossa família. Cinco ou dez anos atrás, não tínhamos uma base sólida. A Caldeira de Ilhotas era morada de homens que viviam ao prol do seu próprio objetivo. A ganância deve estar abaixo do que nós somos como semelhantes. Não digo para não sermos, mas para que nossos objetivos sejam iguais. Eu trouxe cada pai, cada filho, cada avó, tio, tia, sobrinho e sobrinha. Cachorro, gato, pássaro, tartaruga. Cada lembrança boa que tinham naqueles dias. O clima do norte pode esfriar um pouco o sangue quente que temos, mas nunca vai tirar a chama do coração. Atrás de mim, Cavaleiros Baker, estão suas famílias, esperando seu retorno.
Mais e mais pessoas se desgrudaram das fileiras para ir adiante. Os próprios Anciãos fizeram isso. Abake veio andando na sua direção. Frigor congelou no assento. Viu Grow, Six e os outros quatro pularem juntos e encontrarem seus familiares.
Frigor sabia que ele iria falar com os outros Cavaleiros que ensinou. Aquele velho economista tinha um cansaço no corpo imenso, por isso pouco parecia caminhar. Além de ter ensinado outros mais vinte na época.
Descer da carruagem para ver o velho passar e não encontrar ninguém, isso seria envergonhante demais.
— Desça – ouviu ao seu lado logo depois. — Estou velho demais para puxar sua orelha, moleque.
A voz era dele mesmo. Frigor não resistiu e fez o mais rápido possível. Abraçou o Ancião com mais força do que poderia agarrar o cabo de uma espada. Prendeu uma vontade absoluta de chorar e contar como tinha sido, da saudade.
Que homem choraria na frente daquele que o ensinou tudo? Seria decepcionante para Abake vê-lo desse jeito.
— Tá tudo bem. — Abake tocava sua cabeça, sua voz chorosa. — Também fiquei com medo, garoto. Mas, agora tá tudo bem. Vocês voltaram para casa, esse era o plano desde o início. Ele cumpriu o que prometeu pra gente.
Frigor não ligava se foi uma promessa ou não. Estava com seu mestre, estava realmente ali depois de longos três anos no inferno. Ele não se importava com mais nada.
— Vamos. — Abake se distanciou e endireitou os ombros de Frigor. — Temos que ser respeitosos com o Mestre Baker.
Pego de surpresa, Frigor e Abake voltaram a caminhar sozinhos pela imensa ponte de concreto. O cinza tinha um toque mais colorido agora, mais vivo. Frigor estranhamente não sentia mais frio. E ao ficar mais próximo de Orion Baker, o líder da casa, viu que ele tinha um espírito bem mais forte do que sua voz aparentava, e marcas visíveis no pescoço e nas mãos, até uma enfaixada.
Abake tomou dois passos a frente e se curvou com respeito.
— Mestre Baker, meu aluno Frigor Baker retorna para casa.
— É uma honra conhecê-lo, Frigor. — Orion fez uma reverência no mesmo nível que Abake. Frigor ficou em choque. — É ótimo estar de volta em perfeito estado. Obrigado por ter servido a nossa casa por esses anos. Obrigado por ter feito esse sacrifício por aqueles que não podiam.
Mestre Abake ergueu a cabeça sorrindo. Frigor nunca tinha visto ele sorrir. Era sempre um cansaço indiferente, cheio de moralidade e ética sobre como o dinheiro mudava as pessoas. Um sorriso daqueles era raro de ver.
Os dois foram para a fileira onde os outros Anciãos também estavam. Conhecia seus rostos por ter frequentado muitas reuniões, e nada do que tinha sido naquela época parecia com agora. Ancião Dest e Ringo ficavam logo atrás do Mestre Baker e nada falavam ou faziam.
Outras famílias chegaram, anunciando o nome dos seu filhos, irmãos, netos, tios, sobrinhos. O Mestre Baker fazia uma reverência quase tão baixa quanto qualquer um dos que abaixavam para ele. Quando Joana se aproximou com seus pais, não foi nenhum dos dois que fez o movimento. A própria Joana caiu em um joelho com a cabeça baixa.
— Não te conheço, Mestre Baker. Nunca ouvi falar no seu nome. Nem teria considerações pelas suas conquistas. Meu pai e minha mãe sempre passaram por dificuldades, passaram pela fome para que eu pudesse comer. Mesmo sendo meros fazendeiros…
— Eles são mais tão importantes quanto o melhor ferreiro dessa cidade, Joana Baker.
Joana ergueu a cabeça. Os olhos fundos pelo choro de momentos atrás, impressionada. Frigor também ficou. O Mestre Baker sabia seu nome.
— Seus pais são as duas pessoas que organizam a colheita de centenas de pessoas. Tanto da minha família quanto dos moradores locais de Keifor. — Orion Baker passou a mão no casaco para trás e se ajoelhou no mesmo patamar que ela. — Eu tenho uma dívida antiga com seus pais, sabia? Quando todos brigavam nas Caldeiras, eles dois alimentavam outras cinco famílias. Hoje, eles alimentam mais de quinhentas. E tiveram que ver a filha partir para uma trincheira onde seria desvalorizada. Eles tem sorte de ter de volta, assim como eu tenho sorte de poder ter ajudado nisso.
Joana foi imprevisível. Levantou-se rapidamente e abraçou Mestre Baker. Frigor esperou que Dest ou Ringo, ou qualquer Cavaleiro atrás fizesse um movimento para pará-la. Ninguém se mexeu.
— O Jovem Mestre ordenou que ninguém limitasse os Cavaleiros – avisou Mestre Abake bem baixinho. — O dever dele reside em todos que estão esperando. Um por um.
Six se curvou também, com seu pai segurando seu ombro. Grow bateu no peito algumas vezes e fechou os olhos para ser tocado pelo Mestre Baker no peito. As famílias vinham em massa. E aqueles que não tinham ninguém, Orion se colocava em um aperto ou abraço, como a pessoa preferisse.
Mais de dois mil Cavaleiros sendo recebidos pelo próprio líder da casa. Frigor não sabia quem era Orion Baker, nem da sua história. O que sabia era que aquele jovem rapaz era muito mais do que um líder, era uma pessoa.
Abake deixou que Frigor partisse para dentro da muralha, onde seria recebido pelos outros. Ferreiros, comerciantes, navegadores, todos os Baker das Caldeiras estavam ali para recebê-los. E negou, queria ver todos os Cavaleiros sendo recebidos.
A cerimônia durou praticamente mais de cinco horas. E em nenhum momento os Anciãos saíram do lado de fora, nem Orion fez um movimento para não os receber. Ele fez com que todos fossem recebidos e os agradeceu com imenso respeito.
Quando estava anoitecendo, Ancião Dust se aproximou. Não mais dez pessoas faltavam.
— Fomos informados que Wallace e os outros retornaram.
A Cavaleiro que parou teve a mesma realidade que Frigor. Um assunto mais importante era para ser tomado. O Mestre Baker iria partir.
— Eles não são prioridade. — Orion avançou e esticou a mão. — Ferdinanda Baker, sim.
Realmente, cada nome, cada título, cada rosto. Orion Baker não deixava escapar. Ele recebeu os últimos dez, e virou-se para o Ancião Dest.
— Não faça mais isso, certo? Se você deixar que essas pessoas se sintam desvalorizadas por algo que acabou de acontecer, eles se tornarão mais e mais puxados a pensar que não damos valor para todos. Se não for algo que vocês não possam resolver, não faça mais.
Dest abaixou a cabeça.
— Perdão, Mestre Baker.
— Não precisa pedir desculpas, seja melhor na próxima vez. Eles voltaram de uma viagem exausta. Todas as Dez Casas foram preparadas para o banquete. Mande Wallace e Tito para lá, ele vai querer rever seus amigos.
Ringo deu um passo adiante.
— E quanto amanhã?
— Antes do começo do banquete, anuncie a família Trindade. Eles devem saber dos nossos aliados em Keifor. Também avise que amanhã, ao meio dia, nós receberemos toda a corte dos Magos de Santa Helena, Santa Isabel e as Escolas de Forma Combatente. Além do Imperador Nero e Maverick. A vestimenta de todos estão em seus quartos. Eles devem estar prontos esse horário.
— Sim, senhor. E qual a medida de punição para os que não estiverem lá na hora?
— Apenas deixem que eles durmam. — Orion riu. — Se eu voltasse do campo de batalha cansado igual eles estavam, eu também não iria.
Ringo assentiu e saiu com Dest. O restante dos Anciãos também partiu. Abake tomou a caminhar e Frigor viu Orion ser o último a entrar para Keifor.
— Ele é o mais poderoso Baker que temos hoje – disse Abake ao passarem pelos portões. — Nossa família hoje tem uma chance de ter a honra recuperada. O irmão dele pode ter tirado nossa dignidade e respeito, mas forjou um homem cujos preceitos são inabaláveis. Frigor, ouça bem, voltará a estar nas salas de reuniões, mas tenha sua mente aberta. Muitas coisas mudaram.
Estava vendo bem na sua frente. As casas novas, as lojas, restaurantes. O mundo luminoso de um lugar frio, mas que continha o calor dos Baker rugindo com gosto. Via os Cavaleiros que até poucas horas atrás tinham suas carcaças cheias de rancor ou raiva, agora rindo porque estavam em casa.
Estar em casa era uma frase difícil de falar. Frigor não teve a quem voltar por anos. Coletivamente, esperava o colapso da família pelos Vidian ou Germaco. Abake o levou para conhecer até mesmo os pátios de treinos, grandes e espaçosos. Os jardins, praças, o estaleiro, até mesmo as fazendas gigantes que se escondiam atrás de morros pedregosos.
A beleza de Keifor era diferenciada. Havia algo ali que nunca houve nas Caldeiras.
— Minha barriga roncou – disse Abake tocando a vestimenta. — Vamos para o banquete. Já deve ter começado.
Naquela noite, Frigor comeu como se não houvesse outro dia. Gargalhou com as histórias da família de Six, viu Joana sorrir olhando para o teto com seus pais ao lado, e Grow encarar seu pai enquanto ouvia sobre os temperos novos da cozinha.
As risadas começaram a morrer quando os Anciãos entraram e sentaram-se numa mesa. Eles arrumaram o prato, e começaram a beber também. Frigor sabia que teria briga alguma hora, eles não se suportavam, mas o assunto foi se arrastando para os tempos antigos, antes da queda de toda família.
Riram como se fossem jovens. Frigor jamais imaginou que veria Abake e Keila trocando risadas pelos erros cometidos há quase quarenta anos. Então, viu a porta se abrir e três homens entrarem. A roupa deles era diferente, o mais alto usava roupas longas brancas, o cabelo branco e uma criança lhe dava a mão. O outro usava roupas flamejantes, um dourado poderoso que gritava silenciosamente. E o terceiro era mais modesto, com um terno e gravata.
Um rapaz se levantou da mesa e anunciou:
— Os convidados do Mestre Baker chegaram para o banquete. Imperador Nero, do Império Nevasca. O Imperador Maverick, legitimo das Ilhas Vulcânicas. E Economia, atual dono do Banco Central, dos Burgos.
Frigor quase cuspiu a cerveja que bebia.
— Os Imperadores estão aqui? — Joana se levantou para vê-los. — Nero eu até entendo, mas como Maverick conhece o Mestre Baker?
O clima se tornou ameno quando eles se sentaram e prepararam seus pratos eles mesmos. Um tempo depois, mais dois homens entraram.
— Os convidados do Mestre Baker chegaram para o banquete – outro anuncio. — Oracle Bunis, dono da companhia naval, Meta Navio. E Mestre Trindade, Sindromeu Trindade, e sua família, donos do Relevo Trindade, em Keifor.
Oracle apenas acenou para o imenso público, mas Sindromeu fez um gesto diferente. Ele se curvou para os Baker, como se devesse algo a todos eles. A imagem de Orion devolvendo o aceno respeitoso ainda estava em sua mente.
Frigor ficou de pé imediatamente e se curvou para Mestre Trindade. Joana, a família Six, e Baker por Baker, ficou de pé. Sindromeu balançou a cabeça e levou a mão nos olhos, emocionado. Mesmo sem saber quem aquele homem era, Frigor sabia de sua importância.
Um convidado do Mestre Baker que se igualava e sentava na mesma mesa dos Imperadores não era alguém qualquer.
— Quem mais deve aparecer? — Grow perguntou em voz alta, mas o som das conversas já abafavam. — Ele conhece muita gente poderosa, não é?
— Amanhã vai chegar mais gente – respondeu Frigor. — Temos que estar arrumados. Vai ser algo importante.
— Mais importante do que os Imperadores sentados no mesmo lugar que a gente? — Joana deu uma risada. Todo mundo ficou calado. — O que foi? Falei algo errado?
— Não. — Six respondeu estático. — É que a gente nunca viu você rindo dessa forma.
Joana esboçou outro sorriso e concordou.
— Acho que faz três anos que não sorrio assim.
— Nem eu. — Grow respondeu enfiando um pedaço de frango na boca e puxando toda a carne. Sobrou apenas o osso. — Isso aqui tá uma delícia.
Mais uma porta se abriu, de repente. Entraram alguns jovens diferentes. Frigor não reconhecia boa parte, mas dois deles moraram nas Caldeiras. E Mestre Cassiano, logo atrás.
— Wallace Baker, Comandante do Batalhão Rubro. — Outro anuncio fez as vozes se cessarem. — Tito Baker, Atirador do Batalhão Rubro. Nayomi Defoul, Mestre de Armas do Império Nevasca. Mestre Cassiano Baker, Mestre de Armas da família Baker. E Martin Crons, membro honorário Baker, chegaram.
Wallace fez um movimento de cabeça e se dirigiu a mesa. Tito o imitou. Nayomi caminhou entre os corredores que os bancos forjavam no salão e foi até o Imperador Nero. Mestre Cassiano ainda era velho, e no entanto algo alertava Frigor de que não era mais apenas um instrutor.
— Quem ai quer cair na porrada? — a voz estremeceu o ambiente. Martin Crons deu uma risada aflorada. — Orion Baker é o único que consegue me derrotar no mano a mano. Mas, vocês podem tentar. Eu soube que as trincheiras fizeram vocês ainda mais durões. Quando quiserem, Baker, o próximo Rei Relâmpago pode…
— Cala a boca e vai sentar, maldito.
Martin tomou um soco na cabeça pelas costas.
— A Tribo Mestiça chegou. Heivor Lobo Javali, o líder.
Depois de seu nome ser anunciado, Heivor fez um aceno e empurrou Martin Crons para o lado. Membros da tribo entraram e foram para suas mesas. Eram fortes, usando poucas peças de armaduras ou roupas, além de terem uma aura soberana muito poderosa.
Frigor tinha dúvidas se eles eram apenas guerreiros comuns. Pela forma como comiam ou conversavam com Wallace e Tito, eram bem próximos.
— Rob, a Criança Comerciante e Truman Baker.
Mais dois entraram e se sentaram. Truman andava com uma jovem atrás dele, pela conduta, eram casados. Ele puxou a cadeira para ela se sentar e recebeu abraços longos de Wallace e Tito.
— Eles também foram para as trincheiras – disse Grow ainda focado na comida. — Lembro de ouvir falar que Wallace Baker era um dos líderes em Archaboom. Depois de um tempo, soube que alguém destruiu o campo de Archaboom para trazer esse Tito de volta.
— E quem enfrentou um acampamento de Sacerdotes sozinho? — Six arqueou as sobrancelhas. — Deve ser mentira. E quem é esse Rob?
— Ele é dono do comércio de São Burgo – respondeu Frigor. — Ele tem influência nas cidades livres.
Frigor voltou a comer assim que as portas se fecharam. Mestre Baker não deveria vir por causa dos seus afazeres, mas ficou surpreendido que tantos vieram. Figuras públicas que qualquer família nobre do continente gostaria de ter em sua casa.
— Será que consigo pegar um autografo do Imperador Maverick? — Six estava arduamente olhando para a mesa dos Imperadores. — Ele esteve sumido por tanto tempo, voltou do nada. Queria alguma coisa que comprovasse que ele ainda está vivo.
Ouviram-se risadas. Frigor também relaxou vendo que tantos faziam as mesmas perguntas. Poderiam ir até aquelas figuras sentadas para conversar? Podiam ser desrespeitosos ao ponto de tratar um Imperador como igual?
Seria humilhante.
— Posso pedir o autografo pra você, se quiser, Six.
— Ah, beleza.
Six não tinha visto quem estava logo atrás dele, mas Frigor se levantou rapidamente. Joana e Grow o seguiram. Six continuou comendo até seu pai o bater no braço. Quase engasgando ele virou-se. Orion Baker bateu em seu ombro.
— Não precisa ser tão respeitoso. Fique sentado e coma bastante. — Olhou ao redor. — Todos vocês. Aproveitem o dia.
Ainda assim, Frigor não deixaria isso barato. Ele curvou-se, como Abake tinha feito.
— Seria ainda mais desrespeitoso não fazer, Mestre Baker.
Um por um, aquele amontado de gente se curvou ao mesmo tempo. Além dos Anciãos, do grupo comandando por Wallace e os Imperadores. Até mesmo os Imperadores. Frigor não sabia até onde o respeito de Orion ia, mas não era pouca coisa.
Nayomi Defoul foi até Orion e o abraçou na frente de todo mundo. Que mulher. Frigor ficou encantado. Estava deixando claro pra todo mundo quando o puxou com a mão que Orion Baker não era solteiro.
Isso devia ter acabado com o sonho de qualquer Cavaleiro que o visse com olhos lascivos. Uma Mestre de Armas, Nayomi Defoul era formidável para o Mestre Baker.
— Ela é forte – disse Joana, observando os dois se distanciarem. — Mesmo aqui dentro, ela não abaixou a guarda e sua mão livre se posiciona a qualquer momento para sacar sua espada.
— Mestre Baker é um maldito sortudo. — Grow estava de pé, mas com um frango na mão. — Será que vou me casar também um dia?
— Só se for com uma galinha frita. — Six deu uma risada que ecoou entre os outros Baker. Grow viu que segurava a galinha nas mãos e comeu mais ainda.
Mestre Baker se sentou, ironicamente, na mesa que seus familiares estavam. Saudou Wallace e Tito com abraços, e Heivor com um aperto de mão firme. A Tribo Mestiça recebeu acenos diversos de Orion, e Martin Crons foi o mais divertido, chamando Orion para briga.
— Outro dia, amanhã tenho que ter você comigo quando os outros convidados chegarem – respondeu Orion. — Seria bem ruim se ficasse todo roxo como ficou da última vez que levou uma surra de mim, em Sinali.
— Eu aprendi algumas coisas muito boas na Travessia de Ignolio.
Frigor ergueu o olhar para Joana que fez o mesmo.
— Eu soube – disse Mestre Baker. — Conseguiram liberar a ponte para os Magos. Te devo uma luta depois disso. E para o Heivor também.
O líder da Tribo Mestiça levantou-se parecendo irritado.
— Você tinha dito que eles eram fortes, vai ter que lutar contra nós dois juntos, então.
Orion deu uma risada e concordou.
— Mal posso esperar pra fazer os dois comerem o cimento do pátio de treinamento.
Impressionante. Ninguém disse nada para contrariar os dois. Frigor viu os Anciãos abanarem a cabeça para o lado e continuarem comendo.
— Eles não aprendem nunca – disse Mestre Cassiano. — Vão ser amassados como da última vez.
— Demorou quanto na última? Três horas? — Ancião Dest suspirou. — Mestre Baker acabou com eles. Se colocassem Nayomi e Wallace do lado dos dois, ai seria equilibrado.
Frigor viu Joana abrir a boca e dar uma risada.
— Ouviu? O Mestre Orion é um Cavaleiro também.
— Mas, como ele pode duelar contra quem usa magia? — Grow perguntou baixinho. — Ele é algum tipo de adivinhador?
— Ele é o único que pode usar magia – alguém falou pelas costas de Frigor, ouvindo a conversa. — Meu pai disse que ele recebeu o direito de utilizar magia e que andou no continente inteiro lutando contra o Clero e a Ordem dos Magos. Cara, o Mestre Baker é incrível.
— Ainda assim, ele consegue lutar contra tanta gente?
Outra pessoa, nas costas de Joana, respondeu:
— Disseram que o Mestre Baker enfrentou o Papa Oculto nos últimos meses. Por isso o braço dele etá enfaixado.
— O Papa Oculto. — Os quatro ficaram em silêncio. — Cacete, ele é forte demais.
— O Papa Oculto é muita coisa. Sempre ouvi dizer que ele é mandado nas missões mais difíceis.
— Não to falando do papa, que se foda o papa. — Grow gesticulava com uma batata agarrada no garfo. — To falando do Mestre Baker. Será que eu ganharia uma trocação franca contra ele?
— Duvido.
Frigor e os outros ficaram supondo o quão forte era Orion Baker pelo resto da noite. Até o momento que o próprio Mestre Baker se levantou e saiu com Nayomi. Os Imperadores se despediram, os outros Mestres e Anciãos.
Já estava bem tarde, a cerveja não acabava nunca e a comida era reposta. Frigor viu Abake o fitando da porta. Era sua deixa.
— Vou descansar para amanhã. — E se levantou. — Espero vocês lá.
Joana também ficou de pé e saiu com ele.
— Grow – ela o chamou bem séria. — Pare de comer. Six, pare de beber. Amanhã temos compromisso.
Não só os dois, mas muitos outros ao redor ouviram e fizeram o mesmo com seus colegas. Podia ter sido duas ou três horas da manhã, mas os Baker se levantaram e partiram para seus novos alojamentos.
O dia seguinte seria interessante de ver.